CONDUTAS PRIMORDIAIS DA ENFERMAGEM EM URGÊNCIAS ONCOLÓGICAS – RESUMO

Rev. Prática Hospitalar, Ano X, n.60, Nov/Dez 2008 (ver internet)


Dr. PEDRO RICARDO FERNANDES



(Especialista e Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cancerologia

e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões;

Responsável pelo Serviço de Cirurgia Oncológica do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti de Campinas

e Hospital Galileo de Valinhos)


Enfa CARLA VEDOVATO FERNANDES

(Especialista em Enfermagem Oncológica; Enfermeira do Serviço de Oncologia Clínica

- Quimioterapia do Hospital de Câncer de Barretos)


O atendimento universal a qualquer urgência ou emergência deve seguir sempre no sentido das prioridades práticas “A (vias aéreas), B (ventilação), C (circulação), D (desordens neurológicas), E (exame corpóreo geral)” há muito iniciadas pelo Advanced Trauma Life Suport (ATLS) e Advanced Cardiologic Life Suport – ACLS, sendo amplamente adotadas pelas demais Sociedades de especialidades médicas.1,2

O câncer representa a principal causa de morte no mundo, junto às doenças cardiovasculares, além de representar grande parte de atendimentos de urgência em todos os pronto-socorros.3,5,12,15,22 A evolução dos meios diagnósticos e terapêuticos também proporciona um maior número de casos, melhora nas taxas de sobrevida ou cura, mas complicações e urgências também acompanham este crescimento.5,12,15 Condutas e normas já existem bem descritas sobre o tratamento de intercorrências oncológicas, desde o extravazamento de quimioterápicos até a agônica obstrução tumoral das vias aéreas. A palavra câncer não deve mais ser encarada como sinônimo de morte pelos profissionais que lidam com pacientes complexos, entretanto a definição do paciente paliativo em fase terminal deve estar bem clara perante uma urgência oncológica, repugnando a lamentável distanásia pelo despreparo ou desinformação da enfermeira ou do médico plantonista sobre o caso. 15,24

Protocolos devem ser rigorosamente seguidos, evitando os erros que surgem da negligência, omissão, imperícia ou imprudência. 21 Bom senso, dedicação, respeito, agilidade, desprendimento, assepsia, cuidados com auto-proteção e técnica proporcionam, indubitavelmente, um ambiente seguro e eficaz no manejo da urgência. As informações, materiais e ações da enfermagem são indispensáveis para a aplicabilidade dos atos médicos coerentes e precisos. 8,11,19,20,21,22

A enfermagem deve sempre verificar “brevemente” os prontuários e argüir os médicos, colhendo o máximo de informações importantes sobre a doença de base e a atual, complicações, tratamentos, medicações vigentes, planejamento e prognóstico do doente complexo no plantão. Desastres podem ocorrer quando essas informações são desesperadamente buscadas apenas durante uma emergência. Nesse sentido, tais dados também são fundamentais para a boa condução desse paciente, evitando uma despercebida instabilização. Os dados vitais devem ser medidos com responsabilidade e paciência, assim como a ausculta incrementa as informações ao médico a respeito do paciente naquele momento. 22,23

Deve-se redobrar a atenção e cuidados no preparo do paciente encaminhado à cirurgia de urgência ou a qualquer outro procedimento crítico, não desprezando o vestuário, organização, higienização do paciente e do ambiente, aplicação rápida das medicações de urgência para o suporte prévio do paciente que enfrentará um trauma terapêutico drástico. 3,8,11,20,22 O posicionamento correto e confortável (atraumático) do paciente é extremamente importante, como por exemplo, o decúbito dorsal horizontal com membros inferiores elevados ou até “Trendelemburg” nos casos de choque hipovolêmico ou hipotensão postural; o “decúbito” elevado em pró-clive sem o encolhimento torácico no leito nos casos de insuficiências respiratórias; o decúbito lateral ou praticamente ventral nos casos de crises convulsivas ou vômitos, etc.22,23 As medidas para a proteção da integridade física do paciente não podem ser negligenciadas, evitando uma segunda urgência.22 Não é raro ouvirmos que pacientes se ferem durante uma crise convulsiva ou até tiveram traumatismo crânio-encefálico devido uma queda do leito.

O apoio psicológico e informação a estes pacientes é dever e arte da enfermagem e médica, assim como de toda equipe multidisciplinar. 8 Neste momento, é bom lembrarmos que pacientes “impacientes” podem estar com hipóxia cerebral, deprimidos pela grave doença crônica, ou sob o efeito de fármacos que provocam distúrbios neurológicos e psiquiátricos.

Máscara, óculos, luvas, aventais e calma sem perder a agilidade são peças fundamentais para a nossa integridade. A boa técnica aliada aos cuidados gerais de assepsia, lavagem das mãos antes e depois dos procedimentos e o uso de materiais estéreis sempre que possível diminuem significantemente as elevadas causas de morte tardia por infecção. Ressalta-se, que pacientes oncológicos são geralmente imunodeprimidos pela radio ou quimioterapia, desnutrição, procedimentos invasivos, cirurgias radicais, má perfusão tecidual e pela própria doença consuptiva em si. O ambiente de urgência deve ser bem limpo, com fácil acesso a todos os materiais de emergência, bem iluminado na área de procedimentos, ventilado, privativo, silencioso e pacífico. 8,11,20,21,22

“A, B,C,D,E” - “A (manter as vias aéreas pérvias: retirar próteses, aspirar orofaringe S/N – ficar atento ao reflexo de vômito, cautelosa hiperextensão cervical, tração anterior da mandíbula e mento, decúbito lateral ou quase ventral se muita secreção e/ou vômito); B (ventilar o paciente com oxigênio 100% - 5 a 15 l/min sob máscara ou AMBU conforme a gravidade. Obs.: a cânula de guedel apenas deve ser usada em pacientes inconscientes ou sedados devido à estimulação ao vômito; e a angústia de entubação rápida ou a qualquer custo deve ser aliviada através de uma ventilação cuidadosa e eficaz, temporariamente, com o AMBU; o auxílio da enfermagem no posicionamento cefálico, cervical em extensão e preensão digital laríngea leve para a entubação é indispensável; mantenha a máxima higiene, evitando contaminações e infecções pulmonares; testar rapidamente o “cuff”; C (verificar os pulsos centrais e periféricos; verificar prontamente a pressão arterial se não estiver em parada cárdio-respiratória (PCR) ou com ausência de pulsos; se em PCR, massagem cardíaca firme, pausada e em uma freqüência aproximada de 100 por minuto com ventilação concomitante lenta e suave, mas com uma pausa rápida a cada 30 compressões esternais para uma ventilação mais efetiva (a ventilação não prejudica a massagem cardíaca vigorosa, mas as poucas pausas rápidas nas massagens promovem uma ventilação efetiva e rechecagem dos pulsos); garantir acessos venosos periféricos mais calibrosos possíveis (abocath 14 ou 16 de preferência); aplicar rapidamente as medicações de emergência ditadas pelo médico – geralmente as primeiras são a adrenalina, amiodarona, atropina, midazolan, succinilcolina, morfina, hidrocortisona, dexametasona, soro Ringer lactato ou fisiológico, glicose, gluconaco de cálcio e bicarbonato, variando na ordem ou tipo conforme a emergência vigente; preparar a aparelhagem de desfibrilação cardíaca; o enfermeiro poderá, eticamente, questionar o médico sobre as medicações ou atos, mas nunca dificultar a ação do mesmo; monitorar o paciente com cardioscópio e oximetria de pulso rapidamente); D (verificar a situação das pupilas, reflexos palpebrais, os déficits neurológicos básicos motores e sensitivos sob estímulos verbais e dolorosos); E (exame corpóreo geral: verificar lesões, coloração de mucosas e pele, sinais de causas da emergência, proteger e aquecer o doente – combater a temida hipotermia - e rapidamente rever todo o “A, B, C, D” !). 1,2,7,19,22,23

O controle dos sinais vitais e demais parâmetros clínicos básicos (frequência respiratória, saturação de oxigênio, frequência cardíaca, pressão arterial e perfusão periférica, glicemia capilar, nível de consciência, coloração de pele e mucosas, temperatura, diurese) deve ser incansável e repetitivamente realizado até que o paciente supere do quadro de urgência.22,23

Especificamente na área oncológica, as urgências têm peculiaridades a partir dos tratamentos especializados no uso de radiações e quimioterápicos com agressividade e efeitos colaterais diversos. Cirurgias de urgência que abordam consequências agudas graves de tumores avançados também são frequentes.

A enfermagem deve ter o controle moral e prático do ambiente da urgência, ordenando de maneira educada, objetiva e séria os seus técnicos e auxiliares, dividindo tarefas e agilizando o atendimento. Estas ordens não podem desprezar as etapas prioritárias do “A, B, C, D, E”.

Exemplo das principais urgências oncológicas (ver tratamento específico de cada uma na íntegra desse trabalho na publicação da Revista Prática Hospitalar): Extravazamento de Quimioterápico, Neutropenia Febril / Colite ou Tiflite Neutropênica, Vômitos e Bronco-aspiração, Síndrome da Veia Cava Superior, Síndrome da Compressão Medular, Crises Convulsivas, Síndrome da Lise Tumoral, Uremia, Hipercalcemia/calemia/uricemia, Desidratação, Hiponatremia e demais distúrbios hidroeletrolíticos, Obstrução ou Perfuração Gastrintestinal, Hemorragia Digestiva (tumoral / coagulopatia – plaquetopenia / mucosites), Hemorragia Tumoral, Hematúria / Cistite Actínica, Medicamentosa (ex: Ifosfamida), Coagulopatia, Tumor Vesical, Prostático, etc; Pneumotórax / Derrame Pleural Paraneoplásico / Insuficiência Respiratória, Obstrução Tumoral das Vias Aéreas.

Obrigações: É inadmissível a enfermagem não interromper a rotina para dar maior atenção a estes casos e prescrições de urgência, caindo em erros de negligência ou omissão. Mesmo no horário de troca de plantão, a enfermagem que recebeu a prescrição de urgência deve, imediatamente, dar andamento à mesma, não transferindo a responsabilidade para a enfermagem substituta e não permitindo o retardo na aplicação das tão necessárias medicações de urgência. Em caráter de urgência, o compromisso da enfermagem e dos médicos é com a vida do doente em risco e não com o horário de término do plantão. Tais medicações e/ou reposição volêmica com o adequado suporte ventilatório evitam que uma urgência evolua para uma emergência, diminuindo assim a morbi-mortalidade.8,12,22

Funções básicas da enfermagem em urgência como o preparo e checagem constante dos medicamentos, luz do laringoscópio de diversos tamanhos, assim como os tubos orotraqueais, AMBU e demais equipamentos de emergência, organizando-os em compartimentos específicos e de fácil acesso nunca podem ser esquecidas.19 O plantão deve ser assumido com a identificação dos nomes, situação atual, doença de base, prognóstico, resultados de exames e tratamento instituído, sem transferir pendências de extrema urgência para o próximo plantão e nem, muito menos, proteladas pela enfermagem que assume o novo plantão.

Os exames não podem ficar “esquecidos” sobre o balcão, aguardando muito tempo ou o plantão seguinte para encaminhá-los,13,19 o que pode provocar alterações importantes em sua bioquímica. Os resultados dos exames devem ser cobrados com insistência e repassados ao médico prontamente. É primordial que as rotinas e problemas do plantão sejam de conhecimento de toda a equipe, evitando erros, frustrações e mal entendidos.20 A preocupação com a realização de exames complementares deve sempre vir depois de tomadas medidas terapêuticas de urgência, não se iludindo com a falsa impressão de que exames sofisticados estão tratando os pacientes.

Há apenas uma ação fundamental da enfermagem antes de começar o “A”: chamar em alto e bom som por ajuda de demais profissionais da enfermagem e do médico, exceto em casos sabidamente sem prognóstico. Assim, quando o médico não deixar claro o prognóstico de um doente grave, isso deverá ser solicitado sistematicamente pela enfermagem de plantão. Em caso de pacientes com bom prognóstico em PCR, deve-se iniciar o “A, B, C, D, E” antes mesmo da chegada do médico, devendo solicitar a um auxiliar ir convocar o médico mais próximo, ao invés de abandonar o paciente para realizar isto. É preciso colher informações precisas e instantâneas de pessoas ao redor a respeito do tempo de PCR do paciente com prognóstico já encontrado nessas condições, além de checar rapidamente se há reflexo pupilar (pupilas midriáticas ou médio fixas) e/ou olho opaco e seco, além da temperatura corpórea.

A tentativa de ressuscitação do paciente com doença de base grave e avançada já encontrado em PCR, mesmo que por poucos minutos, está fadada ao insucesso ou à cruel distanásia. Poucos pacientes paliativos estão em urgências reversíveis e ainda com prognóstico de sobrevida com razoável qualidade.4 A tentativa de ressuscitação não é indicada no paciente em tratamento paliativo em fase crítica ou terminal. Os familiares prestam informações fundamentais sobre as reais condições recentes de vida do paciente e devem ser cautelosamente instruídos a respeito de tratamento paliativo final, não confundindo eutanásia com ortotanásia. Em pacientes conscientes, a esperança deve preponderar sobre a indispensável e cautelosa informação verdadeira, tendo sempre a sensibilidade profissional de combater incansavelmente a dor, angústia respiratória e demais sintomas, ser companhia, realizar vontades, disponibilizar o máximo de conforto, compreender o processo inexorável de morte4,8,14,24 e não causar um interminável morrer. O preparo digno e pacífico para a morte dos pacientes paliativos em fase terminal é ato nobre e dever inerente à profissão ou missão da enfermagem e médica. Tal imensurável responsabilidade deve ser prévia e formalmente compartilhada entre o paciente e/ou familiares, médico e enfermagem.

Um comentário:

  1. Epa...conheço isso...rs!!!...e é muito mais seu do que meu...rs!!! bju!

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