ASPECTOS ÉTICO-LEGAIS E COMPLICAÇÕES DAS JEJUNOSTOMIAS EM PACIENTES PALIATIVOS - RESUMO

Rev. Prática Hospitalar, Ano XI, n.66, Nov/Dez 2009 (ver internet)



Dr. PEDRO RICARDO FERNANDES

(Especialista e Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cancerologia e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões; Responsável pelos Serviços de Cirurgia Oncológica do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti de Campinas

e (Hospital Galileo de Valinhos)



Dr. FRANCISCO AMÉRICO FERNANDES NETO

(Referência Técnica do Departamento de Cirurgia do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti de Campinas e Maternidade de Campinas; Especialista e Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões; Mestre em Cirurgia pela USP/SP; Especialista em Medicina Legal e Médico Legista do Estado de São Paulo; Perito Judicial Oficial; Professor Titular da Disciplina de Medicina Legal da UNISAL; Presidente do Departamento de Medicina Legal da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas)



Dr. VINÍCIUS DE LIMA VAZQUEZ

(Coordenador do Departamento de Cirurgia Oncológica Digestiva Alta do Hospital de Câncer de Barretos –

Fundação PIO XII; Especialista e Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cancerologia

e (do Colégio Brasileiro de Cirurgiões)



Dr. OSWALDO PASSOS FILHO

(Coordenador do Centro de Intercorrência Ambulatorial e Emergência do Hospital de Câncer de Barretos – Fundação PIO XII; Especialista e Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cancerologia

e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões)



Há muito se conhece a importância da alimentação enteral no suporte clínico-nutricional do paciente portador de doença inflamatória do trato digestivo, oncológica ou consuptiva.1-3 Por outro lado, tem-se demonstrado a ineficácia da realização de ostomias alimentadoras quando em pacientes mal selecionados ou sem prognóstico, demonstrando-se ainda, piora da qualidade na breve sobrevida desses pacientes.1-4 Poucos pacientes são submetidos a uma ostomia alimentadora com perspectiva de tratamento oncológico curativo ou mesmo paliativo que proporcionasse a satisfação da realimentação oral. A maior angústia destes pacientes é a incapacidade de manter a alimentação oral, a deglutição e o paladar, que no decorrer da doença avançada muitas vezes é substituída pela anorexia multifatorial.1,2,3

Dos 69 pacientes estudados, 58 (84,1%) eram masculinos; idade média de 61,3 anos; o IMC médio encontrado foi de 20,3. A distribuição das neoplasias segundo o sítio anatômico pode ser observado na tabela 1. Os valores de albumina variaram de 1,4 a 4,6g/dl (média de 3,1g/dl). No momento da cirurgia, 91,2% dos pacientes apresentavam neoplasia ativa. O tempo médio de internação foi de 9,4 dias (±13,6 e mediana de 4 dias), variando de 1 a 67 dias. Em relação às taxas de complicações pós operatórias (tabela 2), vimos que a mais representativa foi a broncopneumonia (10,1%) e a infecção de ferida cirúrgica e íleo adinâmico prolongado - cada um com 4,3% dos casos. 6% dos pacientes necessitaram de UTI após a cirurgia. 26% usaram antibióticos.

A sobrevida global mediana foi de 42 dias e na análise de sobrevida dos pacientes, estratificamos os pacientes de acordo com nível de albumina, proteínas totais séricas e IMC, onde pacientes com albumina < 3,5g/dl apresentaram um tempo médio de sobrevida de 53,4 (intervalo de confiança de 95%± 37 dias) e mediana de 21 dias, enquanto que os com albumina ≥ 3,5g/dl apresentaram um tempo médio de 121,29 ± 73,5 dias e mediana de 80 dias (p=0,03).

As jejunostomias alimentadoras foram originalmente descritas há 150 anos por Busch1,5 em paciente com câncer gástrico inoperável, sendo mais popularizada pouco depois, através da técnica de Witzel (1891).6 Ultimamente, esses procedimentos tem sido mais criteriosamente analisados e indicados em alguns centros especializados de tratamento oncológico. Quando mal indicada, demonstra alta morbidade e, no mínimo, um grande incômodo ao paciente.1-4 Adiante, demonstra-se ainda não haver melhora significante de sobrevida, nem mesmo da qualidade de vida ou saciedade nutricional em grande parte desses pacientes.1-4

Entretanto, não se discute as vantagens e segurança da alimentação enteral em comparação a parenteral, desde que bem fundamentada. A dieta enteral assegura a integridade das vilosidades mucosas absortivas, imunológicas, diminui translocação bacteriana, além de obedecer a via natural alimentar, proporcionando ainda, uma administração barata e fácil.1,3,4

O perfil dos pacientes estudados era, em sua maioria, homens acima da sétima década de vida, com razoável padrão protéico-nutricional e neoplasia obstrutiva digestiva alta em atividade. Pacientes com avançada caquexia tumoral “terminal” há muito já não são submetidos a ostomias alimentadoras paliativas em nossos serviços. Geralmente, são também pacientes portadores de comorbidades importantes, neoplasias irressecáveis com ou sem tratamento prévio, etilistas, tabagistas, baixo nível sócio-econômico-cultural e higiênico, elevado risco operatório e curta sobrevida livre de doença ou global.1 Destarte, o tratamento paliativo passa a ser a única alternativa, que deve ser realizado, acima de tudo, com bom senso e em concordância aos anseios do paciente.

Métodos alternativos e básicos de paliação vêm substituindo ou contra-indicando as ostomias alimentadoras paliativas nesses pacientes, os quais até hoje são submetidos a tratamentos paliativos agressivos1. Estas ostomias não têm melhorado o performance status ou nutricional e nem minimizado o sofrimento geral ou alívio da disfagia.1,2,3 Alguns expressam sua revolta arrancando as sondas entéricas ou convivendo com o martírio da dermatite periostômica, odor e deformidade estética.1 Há quem condenava as ostomias, dizendo que essas mereceriam um julgamento filosófico, pois poderiam prolongar a vida com mazelas já existentes, odores e incômodos provocados pela sonda entérica.2

O tempo de sobrevida nos pacientes paliativos em mau estado geral ou fase terminal (hipoalbuminêmicos) não justifica a instalação desta via de nutrição.1,3 A realização destes procedimentos seria melhor indicada naqueles pacientes com razoáveis perspectiva de vida e performance status.1,3

Ocorreram cerca de 30% de complicações pós-operatórias. Complicações pulmonares aspirativas são freqüentemente encontradas nesses pacientes, independente do método de ostomia entérica alimentadora.4 Diversas complicações, às vezes catastróficas, são comumente ocasionadas pelas jejunostomias: mecânicas, infecciosas, metabólicas, isquêmicas, hemorrágicas, cólicas, diarréias, distensão, vômitos, aspiração.1-12

A partir da década de 90, cirurgias minimamente invasivas por videolaparoscopia ou ostomias guiadas por endoscopia demonstram menores taxas de complicações,6,9,10 no entanto Petroianu (2004), demonstrou menor morbidade com a minilaparotomia realizada por cirurgiões experientes, não havendo necessidade do auxilio laparoscópico.11

Os pacientes com razoáveis valores protéicos séricos apresentaram sobrevida significativamente maior (cerca de 20 semanas) em comparação aos hipoalbuminêmicos (cerca de 8 semanas apenas).

Quando analisamos a relação entre as variáveis estudadas e o tempo de internação, verificamos que o valor de albumina não interfere no mesmo, pois o grupo 1 apresentou um tempo médio de internação de 8,3 dias (± 11,6) e o grupo 2, 13,3 dias (± 18,7 / p=0,22). Em relação ao IMC, também não houve diferença estatística entre os grupos, sendo que o grupo 1 apresentou um tempo médio de internação de 10,5 dias (± 16,2); 4 necessitaram de permanência de até 3 diárias em unidade de terapia intensiva somando-se a antibioticoterapia por complicações clínicas. Já os do grupo 2 tiveram 9,6 dias (± 13,7 / p=0,83). Portanto, períodos de internação muito longos para um procedimento invasivo de porte relativamente pequeno.

Independente do fator de estratificação e da realização de jejunostomia alimentadora, os pacientes com câncer avançado e oclusão do trato digestório alto apresentam baixa sobrevida global. O valor da albumina sérica foi o único fator significante, mas com pouco impacto na sobrevida.

Corroborado pela ainda tão batalhada e nobre resolução do CFM (2006), o médico tem o direito e, provavelmente, o digno dever ético de limitar ou suspender tratamentos que prolonguem a sobrevida sofrida de pacientes com doença “sem prognóstico”, garantindo sempre o alívio dos sintomas, mesmo que seja necessário a aplicação de sedação e a não sustentação de alimentação sem um fim justificável ou digno (Ortotanásia). A profícua e cautelosa busca pela expressa vontade do paciente deve prevalecer, junto ao compromisso médico com a verdade ao seu paciente, sem iludir ao mesmo tempo de não exaurir as esperanças finais. O art.1, inciso III, da Constituição Federal estabelece que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante”. O médico deve e precisa definir o paciente com enfermidade em fase terminal. Familiares, políticas administrativas, para-médicos e médicos não especializados ou não responsáveis pela condução desse paciente “terminal” não devem interferir nessa difícil e nobre decisão exclusivamente dos médicos em assistência a esse paciente. No entanto, uma conversa franca e bem explicativa deve sempre ser dedicada a estas pessoas ao redor do nosso atendimento e paciente, evitando problemas maiores ou mal-entendidos.

O presente estudo analisou os resultados das jejunostomias realizadas no Departamento de Cirurgia do Hospital de Câncer de Barretos, os quais corroboram os achados literários e nos motiva a refletir sobre a distanásia quando, no alívio da consciência médica e humana, acabamos por super-indicar a jejunostomia paliativa no câncer avançado do trato digestivo alto em pacientes “terminais”, não trazendo benefícios reais à qualidade ou tempo de sobrevida da maioria destes pacientes.

Destarte, quem mata o doente é a doença grave, inexoravelmente em fase terminal, e não o médico, a sedação ou a falta de desnecessária ou injustificável alimentação enteral. A distanásia anda em meio aos excessos terapêuticos nestes pacientes, promovendo o “interminável morrer”, mais criticável que a eutanásia.

Um comentário:

  1. MEU GRANDE AMIGO DR. PEDRO,SEU PROJETO E MARIHLOSO,E UM PEDACINHO DO CEU NA TERRA.A SUA AMBIÇAO E GRANDIOSA,E PARA QUEM ACHA QUE VOCE E UM SONHADOR TRANSCREVO AS PALAVRAS DO PADRE LEO : QUEM PENSA PEQUENO NAO PODE ENTRAR NO CEU,POIS O CEU E PARA QUEM PENSA GRANDE,SONHA GRANDE,AMA GRANDE E TEM A CORAGEM DE VIVER PEQUENO.ASSIM E FEITO O CEU.ACREDITO NA SUA CAPACIDADE E A SUA LUTA NAO SERA EM VAO.QUANDO A NOSSA META VISA O BEM ESTAR DOS MAIS NECESSITADOS,NORMALMENTE AS PESSOAS AFEIÇOADAS AS COISAS TERRENAS NOS CRITICAM.PEDRO,O SEU NOME SIGNIFICA ROCHA.E SERA SOBRE ESTA PEDRA QUE ´´CRISTO`` CONSTRUIRA A FILIAL DO AMOR.NAO DESANIME E QUE AS CRITICAS QUE SURGIREM PELO CAMINHO SEJAM DEGRAUS QUE TE CONDUZAM AO SUCESSO;POIS QUEM TEM ´´DEUS`` DO SEU LADO NAO TEM BARREIRAS QUE O IMPEÇAM DE ATINGIR A META DO BEM AO PROXIMO.UM GRANDE ABRAÇO DO SEU AMIGO E ADIMIRADOR JOSE GERALDO MENDES.

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